
Marselha 1:2 Benfica
Depois do ambiente aprazível e solarengo do fim-de-semana, a última semana de Inverno trazia-nos de novo para a ribalta do quotidiano laboral, um ténue arrefecimento da atmosfera, protegido por uma crescente nebulusidade, resistindo o mais que podia à passagem de testemunho.
Mas a rotação do planeta, deslocou-nos para uma localização privilegiada do hemisfério, sobranceiros sobre o amplo oceano, nos confins ocidentais da peninsula Ibérica, ficámos à mercê do bálsamo do sul, sentimos já a ebulição da venturosa Primavera a açambarcar a natureza: as ramagens floridas das árvores nos verdejantes relvados que rareiam pela cidade, imaginamos já os vagarosos entardeceres do por-do-sol, os passeios à província para celebrar a sagrada e doce festa da Páscoa…
Nesta expectativa delirante, mesmo que o tempo não se desembaraçasse da aragem fresca e cinzenta, deparámo-nos com uma 5ª-feira, de rosto encoberto, ameaçando fugazes aguaceiros ou a pujança do disfarçado ardor… mas o tempo é o que menos importa nos dias em que joga o Benfica, a genica matinal desperta a boa disposição, enfrento o trabalho com mais entusiasmo, aceno à vizinhança e cumprimento a multidão, sem o humor oscilar diante da temperatura…
E este dia trazia-nos um jogo de grandes emoções, junto da baia mediterrânica francesa, na cidade de Marselha, um empolgante embate de futebol iria fazer palpitar o coração pela incógnita do resultado final...
À hora de saída do trabalho, do recolhimento obrigatório, ainda cairam umas pingas de chuva para esfriar a excitação, o circuito urbano foi feito em contra-relógio, depois do resgate da rapaziada, nos respectivos locais de estudo, dei boleia à dedicada e formosa mulher (um galanteio fica sempre bem em qualquer reportagem) e seguimos, a todo o vapor, para o local mais luxuriante e resguardado do condado, a minha casa...
No carro, liguei o relato radiofónico, para sentir as primeiras emoções de Vélodrome, uma voz tranquilizante descrevia as primeiras jogadas onde intervinha o Di Maria, mas o Marselha tentava alcançar predomínio, aproveitando o vento que soprava a favor, e o árbitro, que assinalou um mão do Luizão, num lance à entrada da área, cuja dúvida constatei na repetição vista ainda num écran duma loja…
Sem demora, chegado ao palacete, entrei derrompante na direcção do televisor, o relógio já marcava quase um quarto de hora, o ambiente era infernal, mas não tanto como o de Lisboa, o Benfica apresentava-se na máxima força, com os jogadores absorvidos num espirito aventureiro e conquistador. Os catraios montaram tenda nas imediações, os cachecois vermelhos pendiam pelo pescoço, já não conseguia disfarçar tanto nervosismo, manifestava-me da maneira mais primitiva e expontânea. Ao mesmo tempo, procurava sossegar os camaradas de sofá, ou por-me a mim a salvo de alguma desilusão, tentando relativizar a importância desta partida de futebol, explicando o que a razão desconhecia, impor uma lei contra os princípios da livre opinião, demonstração compulsiva e natural...
Mas o Benfica estava a jogar tão bem que dava gosto, atraiçoava o feitio mais introvertido e contemplativo, entusiasmava o mais tímido dos adeptos com tanta entrega e disponibilidade. Todos os jogadores estavam perfeitos, aplicaram em campo a melhor estratégia, tiveram um desempenho excelente, correram imenso, entreajudaram-se, formaram uma verdadeira esquadra solidária e invincível.
Na primeira parte, tantos foram os lances de golo, quando o Cardozo disparou um petardo com o projéctil bola, ainda me levantei, acompanhando o movimento do esférico, mas este embateu no poste. Quando o Di Maria se isolou, depois de um passe soberbo do Martins (o Carlos tem um grande potencial e faz passes magistrais, que fazem lembrar o Rui Costa), mas adiantou demasiado a bola e não evitou a pronta intervenção do guardião ou quando o Di Maria ficou diante da baliza, depois de uma insistência e abertura do Saviola, e atirou rasteiro para o peito do guarda-redes…
O intervalo chegou assim com a sensação que poderíamos estar a ganhar sem qualquer contestação.
O árbitro esteve periclitante, sem critério uniforme, o empurrão na área ao Ramires não foi falta, mas já sancionava o mesmo encontrão nas costas do francês, no meio do campo, e noutros lances, como a mão na área do Marselha, mais flagrante que a do Luisão (mas talvez eles, e o árbitro inclusive, já tivessem fartos de mãos!).
No intervalo, ainda fui ao Café, para aliviar o stress, extravasar a minha opinião, comentar os lances mais flagrantes e vistosos mas, rapidamente regressei aos camarotes para assistir à segunda metade do encontro. O Benfica continuou com a mesma toada, dominador, sufocante, saindo a jogar, a maior parte das vezes por intermédio do Di Maria, com rapidez e naturalidade chegava à área contrária, criando perigo cobiçamndo o golo. Mas nas multiplas oportunidades a bola parecia que não queria entrar, o Di Maria não se esmerava no último pontapé, os ressaltos e os cantos não levavam o esférico para o fundo das redes.
Eu continuava crédulo, mas expectante, avisando a tripulação, salvaguardando qualquer eventualidade numa jogada imprevisível, que rondasse a nossa baliza, e nos fizesse deitar quase tudo por terra. E foi assim que, num lance inesperado, depois de uma insistência pelo ar, com o Julio Cesar apanhado de surpresa, que os franceses haveriam de chegar à vantagem.
Ainda pensei, confesso a minha fraqueza, que o Benfica sentiria o desgosto, depois de tanto esforço mal compensado, que o Marselha ficasse mais empolgado com o apoio frenético do público, mas com mais de uma hora a mandar na partida, a alma guerreira e a confiança inaudita não sofreram qualquer abalo.
Continuámos a investida mesmo com o infligir da contrariedade, num constante e vigoroso ataque com o objectivo de igualar a partida. E foi com esta determinação, com um pontapé do meio da rua do Maxi, que repusemos o equilbrio nesta extenuante eliminatória. Mas como não estávamos satisfeitos com o resultado, partimos para cima do adversário, já meio atordoados com tanta combatividade e determinação...
Confesso que também duvidei da capacidade física do Di Maria e dos restantes, o Ramires, o Javi, o Maxi e o David Luiz que foram os que mais correram (pelo menos fiquei com essa ideia), mas todos foram sobrenaturais, conseguindo manter o ritmo diabólico até final (evitado que foi o prolongamento), mas esqueci-me que do outro lado também não eram super herois, que é a confiança o maior motor do homem, a confiança o incentivo do jogador.
O Aimar, entrou muito bem, prencheu o meio campo, desmarcou o Di Maria com grande mestria, mas o aprendiz só lhe falta atingir uma melhor nota na cadeira da finalização. Quando vi o Kardec entrar para o lado do Cardozo pensei que seria arriscar de mais, mas a polivalência do Alan, a frescura e aptidão física são enormes, bendita arma secreta que saltou do banco, passado uma hora e meia depois do desaire que sofremos na luz, servirmos o mesmo prato, a frio e sem contemplação (desta vez nem foram precisos lances confusos ou hipotéticas mãos), um potente pontapé colocado, foi direitinho para a baliza, para contentamento efusivo, um grito ruidoso e impulsivo repleto de alegria e emoção…
A alegria é muita, tocámos o céu, viajamos pelas estrelas, depois de termos passado exemplarmente pela lição do inferno francês, alcançámos as benções divinas que inundaram os nossos corações com tamanha felicidade. Agora é saborear, junto das nuvens, na viagem de avião, agradecer a Deus, e descer à terra, para descansar, o J. Jesus ter tempo para pensar nos jogadores mais disponíveis, e arrancar para o Algarve. No Domingo, já Primavera, espera-nos um FCP muito aguerrido para se vingar da supremacia interna que está a deixar fugir, que tudovai fazer para nos conquistar o prestigiado troféu da Taça da Liga.
Obrigado BENFICA, por esta noite europeia deslumbrante, continua com a mesma coragem e atitude mental, disponibilidade física e ambição, para nos fazeres conquistar os tão desejados troféus, acalentar o sonho de campeão!
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